Na terça-feira à noite veio a público um manifesto em defesa da democracia e da liberdade de imprensa, lido na quarta por um grupo de 250 pessoas em frente à Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco. Cinco dias depois, enquanto escrevo, já chegam a quase 45 mil os signatários do documento. Raramente a sociedade civil se mobilizou com tanta força e presteza. O documento diz um sonoro “não” aos arroubos cesaristas do presidente da República, que tem atropelado com desassombro as leis e as instituições.
A imprensa independente é a grande inimiga dos muitos candidatos a déspota que se espalham pelo Brasil e seus esbirros no Judiciário, no Congresso e, infelizmente, no próprio jornalismo — “subjornalismo” ou “jornalismo de aluguel” seriam termos mais apropriados. A rigor, o Estado do Tocantins vive hoje sob um regime de exceção, e um desembargador do Tribunal Regional Eleitoral pretende que os efeitos do regime discricionário que resolveu instituir tenham alcance nacional. Explico.
José Liberato Costa Póvoa concedeu uma liminar impedindo a imprensa do Tocantins de veicular qualquer notícia sobre uma investigação conduzida pelo Ministério Público de São Paulo que aponta o governador daquele Estado, Carlos Gaguim, e auxiliares como beneficiários de uma máfia que atua em vários estados. Não contente, estendeu a sua decisão ao jornal O Estado de S. Paulo, acrescentando o jornal, entáo, à lista de, pasmem! 83 veículos sob censura!
A VEJA desta semana traz uma reportagem sobre as lambanças atribuídas a Gaguim, que disputa a “reeleição” pela coligação Força do Povo, que reúne 11 partidos, inclusive o PT. Ele é, no estado, o grande aliado de Lula, o novo teórico da censura. Acreditem: o governador mobilizou 30 policiais militares, armados com fuzis, para tentar impedir, na madrugada de anteontem, a distribuição da VEJA no Estado. A ordem era para apreender a revista no aeroporto. Nota: não havia decisão judicial nenhuma autorizando a operação.
Tanto a censura prévia como a apreensão de jornais e revistas violam a Constituição. Foi preciso que o procurador da República Álvaro Lotufo Manzano pedisse o auxílio da Polícia Federal para que a revista pudesse chegar à distribuidora.
Ficou claro? Foi preciso acionar a PF para impedir que o governo do Estado recorresse à força armada com o intuito de violar a Constituição. A truculência no Tocantins não pode ser dissociada do ambiente criado por Lula e pelos petistas contra a imprensa, que levou um bando de vagabundos a fazer uma manifestação em defesa da censura em pleno Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, um vexame que ficará para a história da infâmia. É esse tipo de gente que os censores querem proteger.
A mulher, a sogra…
Póvoa, o desembargador que concedeu a liminar de censura, é investigado no Conselho Nacional de Justiça, acusado de vender sentença. Suas relações com Gaguim são boas. Em janeiro, o governador nomeou Nilce Cardoso da Silva para um cargo na Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social. No dia 28 de fevereiro, foi a vez de Simone Cardoso da Silva Canedo Póvoa ganhar um cargo de “assessoramento superior” — R$ 3.600 por mês — na Secretaria de Cidadania e Justiça. Elas são, respectivamente, sogra e mulher do desembargador.
Não é um evento local
O maior erro que se pode cometer é tomar essa história como um evento local. Não é! Abundam ações no país contra a liberdade de imprensa. Os pretextos são os mais variados. Póvoa, por exemplo, alega que a investigação corre sob sigilo de Justiça e, por isso, seu conteúdo não pode ser divulgado. Afirma também que as informações estariam contidas num computador roubado etc.
Jornalista não é guardião de sigilo. Que aqueles que têm o dever funcional de protegê-lo o façam e arquem com as conseqüências se não cumprirem a lei. Os repórteres não cometeram crime nenhum; tampouco se associaram a criminosos.
No Tocantins ou em Brasília, o crime não está no jornalismo.
Reinaldo Azevedo é colunista da revista Veja
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